domingo, 12 de abril de 2015

"O dia em que perdemos a cabeça em Calcata"...

ou, "Se paredes etruscas falassem", ou "Aquele não era o último dia de nossas vidas mas ninguém avisou", ou "O vinho do hobbit hippie italiano era mágico", ou... 

Pode escolher o nome do filme.

Mas não é filme. É verdade. E eu vivi. Eu, meu marido e minha prima "T", a culpada de tudo. Vou lhes contar...

Era uma vez uma viagem pra Roma. Eu e meu marido fomos passar uma semana lá. Ficamos hospedados na casa da minha prima, T, que mora há uma década naquela cidade espetacular, até que ela nos faz um convite: 

_ Gente, vamos pra Calcata amanhã?

[pausa]

Eu já conhecia Calcata, tinha estado lá quando, em 2009, fiz minha primeira viagem pra zooropa e fiquei escandalizada com a cidade. Como não ficar? Calcata é uma cidade descoberta e erguida pelos etruscos (quase a idade da pedra na Itália). A cidade antiga, separada da nova por um viaduto em um desfiladeiro, tem 70 habitantes. As casas, e hoje estabelecimentos comerciais (pois a cidade, como não podia deixar de ser, virou atração turística) são encravados na pedra. Isso mesmo. as casas são continuação da rocha calcária que sustenta a cidade. É isso. A cidade é emuralhada, todas as casas são de calcário, como as ruas e as muralhas e a pedra embaixo, encrustadas na rocha original. É uma cidade mágica, e mística, e louca, e linda...ainda mais que fica no topo de um morro, e tem uma vista magnífica de uma floresta... Só indo pra acreditar, pra entender. Na década de 70 virou refúgio de hippies e new ages. daqueles de verdade, sabe? Que não comiam carne, não tomavam banho, viviam de escambo, arte, sonho e muuuuuuita erva. Alguns desses permaneceram por lá, alguns ficaram menos hippies, abriram comércios, restaurantes (de comidas naturais veganas ou não) lojinhas de artesanato, galerias de arte. E teve gente que foi pra lá mais recentemente, explorar o potencial do local... Mas Calcata deslumbra. Muito. A qualquer momento você tem a sensação que o Froddo vai aparecer em uma daquelas portas, ou que um duende vai aparecer atrás de um vaso.

[fim da pausa]

Eu e marido respondemos: _ Claro! Que horas?

T: _Ah...lá pelas 16, pra gente não pegar o horário de rush saindo de Roma, porque o trânsito  é tipo o de São Paulo... 

Nós:_ Combinado! Nos falamos no meio da tarde, ok?

T: _Ok!

Só que nada ok. Não conseguimos nos falar. Foi um sufoco para nos encontrarmos e acabamos saindo de Roma no meio do rush. Claro que chegamos em Calcata tarde, já era umas 20h.

Só que a gente não estava a fim de entrar logo em um restaurante, claro... queríamos dar uma voltinha antes pela cidade.

[pausa]

Calcata é super escura, a luz é tênue, parece de lampião, as ruas estreitas. Era fevereiro, alto inverno, à noite, um dia de semana qualquer. Fora os poucos turistas e moradores que estavam nos três restaurantes abertos naquela hora na cidade, não tinha mais ninguém - do verbo uma viva alma - na rua, a não ser nós três. É evidente que eu amei mais ainda!!!!

[fim da pausa]

Começamos a andar, tirar fotos que saiam tremidas pela pouca luz, "trupicando" no calçamento irregular, e a barriga começou a reclamar por uma pasta. Esse pequeno tour nos custou a janta, porque os restaurantes que não estavam fechados estavam com a cozinha fechada.

Vimos então uma luzinha de arandela acesa, uma porta de madeira pequenininha, numa daquelas caverninhas, um gato na porta e uns vasos com lindos gerânios, no que parecia ser um bar. Botamos a cara pra dentro e perguntamos, está aberto?

Uma jovem senhora nos atendeu, e logo atrás dela apareceu um jovem senhor (que batia mais ou menos no nosso ombro, e quase na cintura dela, de cabelos longos mas careca no cucuruto), e disseram, com largo sorriso: "Siiiiii!!!!". 

Entramos.

Era um "barzinho" e o que tinha pra beliscar eram bruschette: de tomate, de espinafre, e de funghi. Pedimos uma tábua mista e três copos (copos mesmo) de vinho da casa. Eles abriram um garrafão e serviram três copos. Inteiros. Até a boca.

Começamos a conversar, comer e beber. Eles contaram que se mudaram pra lá porque desistiram da vida louca da cidade, que juntaram os dois filhos pequenos e foram, que viviam no início praticamente de escambo, porque pra ter calor precisava de lenha e lenha não existe em Calcata, que descobriram a cidade por acaso, quando passavam de moto sem rumo, e por ali ficaram, e que nunca mais saíram... (aquelas histórias malucas que você acha que só existe em filme). E era um casal pouco mais velho que eu e meu marido, com duas crianças... todo mundo bem e feliz. Tudo normal. quer dizer... quase.

É que, como magia, parece que passaram a brotar na nossa mesa outras bruschette e outro copos de vinho, todo mundo começou a falar italiano e perdemos completamente a noção de tempo, como nunca perdi na vida. Acho que saímos do barzinho pra lá da meia noite...

E então despedimos e fomos...

Você pensou "embora?" - NÃO. "Dormir?" - NÃO. "Pro carro?" - NÃO. "Procurar um restaurante aberto?" - também NÃO. Então que diabos fomos fazer? Desbravar Calcata, obviamente.

Perfeitamente sóbrios, coerentes, enxergando tudo, compreendendo tudo... fomos desbravar uma cidade mistica, mítica e mágica, encrustada numa pedra, cheia de gnomos e hobbits pelo caminho.

Molto bene...


Depois de devanear, filosofar e tecer comentários sobre a vida e os números, cabala e magia (discutimos até Jung, que eu nuca li), encontramos uma porta aberta, que dava pra uma "varandinha", que na verdade era um espaço entre a casa, um parapeito e um penhasco de onde se avistava a imensa escuridão da floresta lá embaixo.

Tiramos foto? NÃO. Tocamos a campainha? NÃO. Ficamos na varanda admirando a escuridão e o frescor de 7ºC? NÃO. Claro que NÃO. Como estávamos sóbrios, atentos e cheios de juízo, entramos.

Na nossa cabeça sóbria e atenta aquilo era uma galeria de arte. Maluca, cheia de cômodos labirínticos, uma música de fundo, uma parede com uns 5 casacos pendurados na parede (convidados??? outros turistas???) algumas esculturas... fomos entrando, entrando, entrando, cômodo após cômodo, vimos um buraco no chão cheio de água tampado com um vidro... sempre nos questionando: o que será isso? Até que vimos coisas tipo uma mesa, um sofá, ou sei lá o que que nos fez cogitar que aquilo era, certamente, uma casa! Começamos a voltar pelos cômodos, um, dois, três, direita, esquerda, esquerda, reto...

Mas, antes de sair, tive a brilhante e iluminada ideia de deixar um bilhetinho para o dono da casa. Escrevi em português mesmo, dois minutinhos, e coloquei embaixo da fruteira. 

Felizes com o presente que havíamos deixado nos dirigimos para a porta e, a dois passos dela, uma figura gigante aparece. Sim. Era um homem enooorme (ele devia ter 1,95m de altura que somados ao teor alcoólico, dava a ele uns 2,15m), com uma looooonga barba branca, cabelos longos igualmente brancos e desgrenhados, com sobretudo preto e chapéu. Ele não se assustou (em compensação eu, fiquei boa no ato!). Nos olhou apenas. Minha prima muito docemente disse, com aquele sorriso quadrado e cheio de dentes como o do emoticom: "nós acabamos de invadir a sua casa!" E nós três abrimos um sorriso mais quadrado ainda, daqueles que dóem as bochechas, as lágrimas já juntando no canto do olho, a mente pensando.... puuuuuuuuuuuutttttaaaaaaa meeeeee......... 

O senhor nada respondeu por um minuto (um minuto que, somado ao teor alcoólico pareceram 2h:40), e então disse, sem emoção (não são assim que agem os psicopatas?):

_Vocês a invadiram? Então agora quem vai mostrá-la sou eu.

E trancou a porta atrás de si.

Nesse momento eu pensei: "como será que ele vai matar a gente? Trancar num quartinho, serrar, jogar no fosso... Aqueles cinco casacos serão cinco outras vítimas?"

Mas, se eu estou aqui para contar é poque não é nada disso....

Ele começou a andar na nossa frente mostrando cômodo a cômodo, contando a história da cidade, da casa, e dele. Nós soubemos que ele é o senhor Costantino Morosin, um artista bastante reconhecido na Itália, que foi pra Calcata quando era hippie e new age, na década de 60, que lá viveu como um hermitão, produzindo arte, que foi ele quem fez os bancos de pedra que ficam em frente à igreja da cidade...que lá vive e que de lá não sai, que a casa tem um silo, que ele encheu de água e transformou num tanque onde cria carpas... Uma história fascinante! Então nos dirigiu à porta, a abriu, disse adeus e nos recomendou boa viagem de volta.

E Calcata, que já era pra mim uma cidade mágica, virou uma das melhores histórias da minha vida.

Moral da história: vão, vão, vão. Pra onde for, abram a cabeça e o coração e vão.

Fotos dessa cidade incrível? Segue no instagram @emmeioatudoisso

Mas aqui fica um gostinho

do site italiaoggi.com.br

Do site livingroma.it

Beijos e arrivederci!


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